Monday, October 15

A origem da heteronímia em Pessoa


Estou agora a iniciar o estudo da obra de Fernando Pessoa. Certamente, para muita gente - e eu não sou excepção -, a primeira questão que se coloca é de onde provém a sua fragmentação em heterónimos. A resposta a esta questão, apesar de talvez incompleta, encontra-se numa carta enviada a Adolfo Casais Monteiro em 1935 - ano da morte de Pessoa -, amigo seu e escritor modernista igualmente. Proponho-me aqui a colocar na íntegra a carta. Irei fazê-lo talvez em 4 ou 5 "posts", uma vez que apresenta uma grande extensão. Posteriormente, caso possível, irei aprofundar o tema do modernismo. Neste primeiro excerto Fernando Pessoa fala a Monteiro sobre a publicação do seu livro, Mensagem.








Caixa Postal 147,


Lisboa, 13 de Janeiro de 1935




Meu prezado Camarada:


Muito agradeço a sua carta, a que vou responder imediata e integralmente. Antes de, propriamente, começar, quero pedir-lhe desculpa de lhe escrever neste papel de cópia. Acabou-se-me o decente, é domingo, e não posso arranjar outro. Mas mais vale, creio, o meu papel que o adiamento.


Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que nunca eu veria «outras razões» em qualquer coisa que escrevesse, discordando, a meu respeito. Sou um dos poucos poetas que não decretou ainda a sua própria infalibilidade, nem toma qualquer crítica, que se lhe faça, como um acto de lesa-divindade. Além disso, quaisquer que sejam os meus defeitos mentais, é nula em mim a tendência para a mania da perseguição. À parte isso, conheço já suficientemente a sua independência mental, que, se me é permitido dizê-lo, muito aprovo e louvo. Nunca me propus ser Mestre ou Chefe - Mestre, porque não sei ensinar, nem que teria que ensinar; Chefe, porque nem sei estrelar ovos. Não se preocupe, pois, em qualquer ocasião, com o que tenha que dizer a meu respeito. Não procuro caves nos andares nobres.


Concordo absolutamente consigo em que não foi feliz a estreia, que de mim mesmo fiz, com um livro da natureza de Mensagem. Sou, de facto, um nacionalista místico, um sebastianista racional. Mas sou, à parte isso, e até em contradição com isso, muitas outras coisas. E essas coisas, pela mesma natureza do livro, a Mensagem não as inclui.

1 comment:

iFrancisca said...

Estou ansiosa por mais priminho! Bela ideia!